Meio-dia, Meia-noite

Era bom ver os que a espuma fazia com a água. Eu queria um baldinho e a pá, mas ele parecia estar olhando pra longe. O vento levava o olhar dele de encontro aos recifes. Ele me era, numa nula lembrança. Areia, vento e mar nas palavras. Vivo de vento e palavras desde então. Ele, apenas direções; ainda sim aqui. Ele não sabia o que era mar, o que era areia; bastava olhar... Era a moça bonita que ele via, era um conto do mar. Meus olhos vestiam piratas, fascinados no meu capitão e nas espadas dos marujos. Eu conseguia ver os barcos infinitos, só esperando pelos comandos de partida. Vamos ali, ele apontou. Mas eu quero ver os navios no mar, fica mais um pouco. Sim sim senhor, mas cadê o seu castelo, sua casa de frente pro mar? Construiremos uma. Seus olhos ficaram aqui, guardando o mar e os navios. Vem cá, vem andar comigo, ele disse. Eu quero pisar nas suas pegadas, posso? Me deixe assim. Pulo uma aqui, outra ali, bem fundo... Não quero mais marcar o chão, quero que ele não esqueça dos nossos pés. Não podemos, a areia daqui tem pequenos monstrinhos sabia?! Se você for bem fundo eles vão aparecer, eles são feios. Caolhas, famintos e descontentes. Marujos da areia. Você escolhe, mas me de sua mão... Vamos ver se areia de lá tem outras tripulações, quem sabe outro capitão também. O capitão manda. Fico apenas me fazendo de inteligente. Capacete e espátulas, nesse horário eu estou a construir a casa de toda a vizinhança. Sim, eu sou um construtor. Pedi licença pra ser. Sei moldar bem, sou famoso e minhas mãos são pra inventar os castelos, as sereias brancas e azuis e as princesas das torres. Ele é que dá as ordens por aqui. Sou construtor, não sou cidade, não faço tudo sozinho. Não sei mandar. Ser grande é ser fortaleza. Ainda sou pequena ilha. Iremos mais longe por essas terras novas. O desconhecido estava nos meu baldinhos e pá minutos a fio. Deixei de ter medo da areia. Enfim a vila de casas veio me dar um descanso. Terminamos os castelos e as casas. O expediente das horas vagas acabou. Éramos os primeiros habitantes daquelas terras, mas eu era um descobridor menor, ele era um grande pirata do mar. Ele dizia numa voz longe Você sempre pode vir aqui e ver o que construímos, as águas viram te visitar...Elas nunca morreram. Nossos castelinhos e casinhas são as nossas veias. Seu coração, vila e navios dos piratas. Vê aquela mais distante e grandona? É o caminho do coração. Faça ele bater! Mas como eu perguntei. Como as águas levam os nossos castelos pra bem longe. Olha, veja. Ela molha a terra e vai embora...Ela rega areia, alimenta os monstros e tira as sereias presas nas pedras. Regue bem, venha e vá embora. Eu perdi a esperança de descobrir, queria viver e regar. Me virei para regar os sonhos dos barcos e dos piratas, mas eles haviam ido embora. Sem barco, sem tripulação, eu e meu capitão somos a trupe das areias.

Menina de pano passeando nas lembranças de alguém.

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