Welcome to the Jungle

Nesse fim de semana, eu e meu marido parecíamos hipnotizados pela Selva de Pedra paulistana, em um misto de estranheza e fascínio. Por vezes me peguei olhando o horizonte enquanto cantarolava "Concrete Jungle" de Bob Marley. Já o marido ficou incontáveis momentos olhando os prédios nas avenidas, calculando e imaginando como a vida brotava e resistia ao concreto. Olhando os prédios junto dele relembrei as marcantes cenas do Edifício COPAN (obra de Oscar Niemeyer) em "São Paulo Sociedade Anônima" (1965) filme dirigido por Luís Sergio Person. Coincidência ou não, ele foi exibido ontem (01/05) no Instituto Moreira Salles na Avenida Paulista. Ontem que foi dia do trabalhador, também foi o dia em que um prédio no centro da cidade de São Paulo pegou fogo e desabou. 

Talvez o sentimento de (des)ilusão e desterro que o filme de Person me provoca consiga explicar o desencadeamento desses estranhos eventos. No filme, o personagem principal, Carlos (Walmor Chagas), se vê seduzido pela célere industrialização de São Paulo e pelos sonhos brilhantes de sua classe média florescente. Mal ele sabia que ao vender a alma para a Cidade, a Cidade lhe engoliria e dela não haveria como fugir. Tal como Fausto tenta escapar do contrato assinado com Menfistófeles, Carlos não consegue burlar o próprio destino, isto é, não consegue deixar a Cidade. A Cidade, que a princípio era a visão do Paraíso na Terra, na verdade provava ser o próprio Inferno. 
Ao que me parece, a Selva de Pedra é uma Sociedade Anônima que vive da assinatura de contratos. Por ali muitos venderam e vendem a alma em troca de status, dinheiro, poder, sucesso, trabalho. Tantos outros morreram e morrem sem sequer ter a oportunidade de escolher o que assinar. Esses mortos formam o Concreto da Cidade, no qual muitos irão pisar, sem se darem conta no que estão pisando. Essa gente de Concreto, misturada ao cal e a terra, sequer deve saber que há contratos para se assinar ou que haja Paraíso, pois muitos deles sempre viveram no Inferno. Talvez a morte ou a vida sem a assinatura de contratos possa lhes trazer, em algum momento, um vislumbre do verdadeiro Paraíso. E é por essa ínfima esperança que, as vezes, ao invés de contratos, vemos "brutas flores do querer" surgindo improváveis na dureza do concreto. Seres miúdos e fortes que são a prova de que a vida vai além de um papel... de que suas duras vidas são forjadas à ferro e fogo.
A pira de fogo que subiu aos céus e queimou o prédio no centro da Cidade me pareceu uma cena triste e emblemática que exemplifica o momento em que vivemos. Aqueles que não assinam contratos devem virar pó; os direitos deles e de tantos outros moradores e trabalhadores foram jogados no fogo (que impassíveis continuamos assistir a arder); o que resta de todo entulho é somente Concreto. Concreto que se erguerá de novo nesse reflorestamento cinza, como uma nova árvore, azul-espelhada, e que será incorporada à vida na Selva e a Selva dos Contratos.

Cada um que se segure em seu cipó, se puder.

Comentários

Postagens mais visitadas