Fora da Ordem.

A crise caminha por um tapete vermelho.

Entre flashes, sorrisos, saudações e comprimentos uma crise socioeconômica sem precedentes caminha em direção indefinida. Longe de pensar que ela anda sozinha, essa crise vem acompanhada dos subsídios culturais que circulam, em trocas, aceitações e negações pelo mundo afora, mostrando a força da ocidentalidade frente a morosa aceitação de que algo inquieta os ânimos da humanidade. Tenta-se compreender a que ponto chegamos com a Crise Glocal (nome que pra mim, tenta dar conta da complexidade do momento e do movimento de modificação estrutural, social, politica e econômica construída após a 2 Guerra Mundial) - crise que expressa intensa troca entre o global e local - quando na realidade, essa crise pode ser pensada como uma construção conjuntural sem forma e heterogênea, a partir do final da década de 1970. Num repasse, temos crises ligadas ao setor petroleiro, uma proto-crise financeira, a lenta desestruturação da Social-Democracia, a retomada do impulso exploratório do capital, de caráter mais agressivo e humano-desagregador. A luta pela voz latino americana, a bela e angustiosa respiração das Africas, as espadas afiadas dos Tigres Asiáticos, fazendo o mundo dançar suas musicas hipnotizantes. Temos um socialismo derrapante, um capitalismo se achando triunfante e revoluções sociais, tecnológicas, culturais, pessoais colocando lenha na fogueira do Milênio com medo do Bug.
Bem provável que alguns de vocês já ouviram falar que a crise é reflexo de uma sociedade desiludida com a democracia e com o projeto capitalista, extravasando suas mais terríveis angustias e perdas no cotidiano. Não deixo de pensar na validade de tal proposição. As democracias que foram pensadas para "todos", na verdade, só alguns podem desfrutar. Pois o cerne da Democracia Moderna está invariavelmente ligada, desde ao projeto iluminista, a uma parcela da população que concebe de maneira muito específica os conceitos de liberdade, fraternidade e igualdade.
De um esfarrapado instrumento de trocas, à formação de um sistema unificador de economias, a massa amorfa do capital se transformou em capitalismo. Do doce gosto das especiarias às guilhotinas francesas, a transformação exponencialmente veloz do capitalismo, nos brindou com maior velocidade e rapidez a construção de uma aldeia global. De instrumento de caça a instrumento de combate e luta, a lamina do capital produtivo, e mais recentemente, o do financeiro, tem nos dado boas marcas na pele. Entre mortos e feridos, (ainda) estamos bem.
Eis que chegamos ao cotidiano, feridos pela inocência quase assassina do acúmulo indiscriminado, sem sabermos se o elixir da vida, ingerido em grandes quantidades é o veneno que destrói ou o remédio que salva. Se as ganas de obtermos mais em posses, em conhecimentos, em lucros, não fosse levada a frente, não compreenderíamos, por exemplo, o que é Ciência. A ciência é o fruto rico do capitalismo, do cotidiano. O cotidiano é fruto do cotidiano. A politica é fruto do mesmo fruto, assim como o capital. O homem é cotidiano, sua vida é repetir, provar, procurar, buscar. Cavando minas, fazendo o carnaval, descobrindo átomos, inventando a TV.
Somente ao adquirir estrutura e status de sistema, ciência, politica e economia foram passear no bosque, deixando o homem para sentir a sua perda. Esquecido, destronado, o homem se autoflagela, imperdoavelmente, não por criar belos frutos, mas por permitir que eles possam ter o poder de feri-lo. O homem extravasa no cotidiano a incapacidade de racionalizar o que de bom e de ruim pode cometer contra si, contra os demais, contra as "estruturas", perdido, sonhando com a Era de Glória dos tempos passados. Que não foram de glória, longe disso. Foram de perdas e ganhos. Porém, hoje, são pura nostalgia.

Homens poderosos caminham por tapetes vermelhos.
O tapete vermelho é um dos muitos vasos, de raízes capilares em que jorra o sandice humana de querer conservar. O homem moderno não passa de um respeitado senhor conservador, que sente a hemorragia dos novos tempos com sorrisos. A crise!? Ela vai bem, e vai perdurar durante um bom tempo. A crise é uma nova estrutura, ao lado da ciência, do capital. Ela é a expressão viva do cotidiano. A crise é o ponto máximo antes da mudança de conduta. E ela só passará quando o homem acordar de seus sonhos dourados de ventura e perceber que a vida é soma, diminuição, divisão, multiplicação. Por enquanto ele sonha com castelos de areia. Amanhã acordará sem nada, pois sonhou que não poderia perder o que não pode manter para sempre.
O "para sempre"? Sempre acaba. Sejam todos bem vindos ao teatro da vida. Luz, câmera, ação.

Menina de Pano. Só.

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