Outlander e a violência contra o corpo masculino
Assistir ao capítulo de uma série que apresentava sequências de tortura psicológica e física de um homem por outro homem, incluindo estupros, fez com que meu marido se assustasse. Repetidas vezes ele pediu para que eu parasse de assistir as cenas. Entendi a causa do desconforto, mas continuei assistindo, pois estas faziam parte do enredo e compreensão da história. Porém, não deixei de lado a questão e respondi: "Entendo o sofrimento, é horrível. Mas o cinema e as artes nunca tiveram problemas em representar estupros femininos..."
Aqui vai um aviso, e ele não é sobre o estupro, mas sobre a naturalização da violência do corpo. Não existe nada que defenda a violação física de qualquer humano sem o seu consentimento. Porém, entendam: a representação do estupro feminino faz parte da estruturação social do mundo ocidental. Está inscrita mitologicamente no Rapto de Perséfone, incutida em leis culturais, cívicas e religiosas que orientam a posse física do corpo feminino independente da vontade/necessidade, desde tempos imemoriais.
Eles representam um aviso, uma verdade, uma condição. Replicada ao longo dos séculos de forma a naturalizar comportamentos, chegou até os dias atuais como metodologia de docilização dos corpos (a partir de estruturas de organização social como a família, a igreja, e o Estado) muito antes que Foucault nos contasse sobre a disciplinação do corpo social na passagem do mundo moderno para o contemporâneo.
O corpo feminino nasce sobre o espectro da disciplina. E essa disciplina se formaliza a partir de violências gráficas: estupros, fogueiras, mortes, machucados. O passado de punição e vigilância ainda não passou. Acho que o corpo feminino, em certa medida, ainda reside no limbo entre a modernidade e a contemporaneidade, pois ainda não sabemos quem nasceu primeiro: a vigilância ou a punição. E ainda que nossos corpos estejam presos pelo passado estrutural, nossas vidas atuais compreendem a realidade de que tal relação se apresenta acima de tudo como uma simbiose.
A violência ao corpo masculino obedece a outros critérios e objetivos (que podem até ser discutidos aqui, em outro momento), e geralmente estão relacionados a um vexamento de matriz politico-social do que propriamente físico. Porém, quando violências associadas ao corpo feminino são aplicadas ao corpo masculino, eis o surgimento do horror causado pelo desconhecimento e desconforto físico: A reação do meu marido.
A possibilidade de chocar e desnaturalizar a visão da violência aplicada aos corpos talvez seja necessária. Não para causar mais violência, mas para gerar o fio de entendimento que levará a compreensão de quais elementos a matriz social das diferenças nos coloca em lados desiguais.
Comentários