Decote
O belíssimo videoclip de Petra Gil e Pablo Vittar "Decote" é um excelente exemplo de como o casamento entre imagem + música pode ser utilizado para uma reflexão do conteúdo visual + conteúdo da mensagem cantada.
Em tempos de cerceamento dos interesses pisco-emocionais dos indivíduos e da incompreensão de atitudes não-binárias, o clipe é um poderoso antidoto que a arte propõe para se compreender as identidades de gênero.
Comecemos pelas grandes oposições apresentadas ao longo do clip. É importante notar que não são oposições estanques: No início elas são apresentadas separadas para se fundirem e se misturarem a longo do clip. Eis as oposições: mulher/ homem drag - cores: preto/branco; azul/rosa;vermelho - formas: quadrados/círculos; listras horizontais e verticais - opacidade/ transparência.
Pabllo aparece no começo de clip de costas, com os cabelos separando a tela negra em dois; refletido por uma luz rosa com forma circular; sob o fundo negro separado por listras brancas. Preta sob o fundo negro sem separações; refletida pela luz vermelha com forma circular. Essa forma de apresentar as cantoras refletem suas posições referentes ao gênero - Pablo como um reflexo total da mistura de conceitos clássicos de gênero: identidade, representação e orientação. Preta, uma mistura parcial.
Aliás, Pabllo é o elemento central do video por veicular a mescla de todos os sentidos musicais+visuais+mensagens+ representações sociais - apresentado na chamada do clip com uma vestimenta que é a fusão dos elementos geométricos/cor do clip, e segurando uma longa fita, que demonstra noção de maleabilidade e movimento das representações.
Quando o refrão "Eu falei/ que eu era mais forte agora/ boa sorte!/ Me libertei/ não se importe com o meu decote" é cantado pela primeira vez, ambas as cantoras estão presas em um pano transparente refletindo uma mescla de cores entre o azul e o rosa. A imagem representa o oposto da música, compreendendo que a noção de liberdade, embora seja transparente ainda não se tornou bem sucedida. Aliás, a transparência funciona no clip como a demonstração de algo que não se pode esconder: seja o corpo, a sexualidade e as representações dele.
Sob o fundo branco e com roupas da mesma cor, as cantoras apresentam a solução das representações estanques e binárias: a junção total sob o mesmo espectro. Aqui, o uso de todas as cores aparecem, e ambas as cantoras se divertem ao brincar com elas, dando a entender que é possível "colorir" o gênero com qualquer "cor". Esse momento casa com a repetição do refrão, indicando um segundo momento em que se reflete sobre o poder do próprio gênero e da noção de liberdade. A partir daí, o clip segue para a finalização da mensagem, com a mistura de todas as formas e cores, em uma confluência de imagens de maneira a demonstrar que essas são representações do feminino: ser mulheres é possuir e escolher suas próprias cores e suas próprias formas, remetendo, portanto, a cor e a forma física de Preta, a de Pabllo, passando para a alegoria da paleta de cores. Terminando, assim, com uma belíssima imagem de Pabllo de branco sob luzes vermelhas, evidenciando um indivíduo e seu estado de escolha (mulher).
Depois dessa rica mensagem, nos resta apenas cantar com Preta e Pabllo a frase "não se importe com o meu decote", como hino contra a restrição da liberdade do corpo associado ao feminino. Ela funciona também como alegoria de todos aqueles que não querem ter seus corpos, representações e gostos restritos por outrem. "Agora é minha vez".
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