Hans Staden

Ser brasileiro é ser nascer sob o signo mitológico da violência. Nossa gênese Tupinambá sintetizada pela saciedade da guerra justa e canibal foi dizimada pelos portugueses para dar espaço a outra lógica de violência: a violência do corpo e da alma, ampliada para saciar os corpos de outros, que não fossemos nós mesmos. Pois na Terra Brasilis Guaranis, a violência dilacerava a carne, destruía completamente o outro para "engolir sua força". Supriados, seguiríamos vivos, triunfantes e fortalecidos. A lógica da destruição da força do outro mantinha o respeito em assumi-la para si e levá-la a diante. Comer era fazer triunfar a vida sobre a morte.

Porém, Pero Vaz já assinalava a mudança nas Terras de Vera Cruz, ao afirmar que "(...), o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar". Logo, era imperativo não só ampliar a violência como aprofundá-la, destituindo e dominando através da salvação. Era preciso transformar o corpo e controlar a alma tornando-a, fosse através da exploração, colonização e escravidão, em cálice vivo de sangue, suor e lágrimas. Colocando de maneira simples, diría que nossa violência nunca se reconheceu inteiramente na ruptura entre Céu e Terra, mas entre aqueles lutam para comer ("maus") e os que passivamente absorvem ("bons"). 
Já nos extraíram o corpo e alma. E para que a mitologia da violência se cumpra, somos de novo os Tupinambás que lutam para que não engulam nossa identidade castigada. Nossa consciência fortalecerá quem não sabe o que é fome, mas sabe consumir tudo. Nessa nova lógica de violência nasceremos e viveremos completamente violados, destituídos de nós mesmos. Seja pelos de Ultramar, seja pelos que sempre estiveram do lado cá.

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