Amor, meu grande amor.

Chorei porque perdi um grande amor. O nome dele? Ahn, era um nome pomposo! Se chamava Museu Nacional. Dele serei obrigada a me contentar apenas em sentir tristeza e saudade. Oxalá os deuses tivessem dito que eu seria surpreendida por tal adeus... como me recuperar desta partida tão abrupta? Todos os sinais de adeus estavam ali. Eu os vi, fui avisada e solenemente ignorei por se tratar do efeito do tempo. Afinal, o que podia fazer? Vi suas paredes descuidadas, algumas vias obstruídas, sabia que a doença da madeira lhe corroía as vigas. Ele tinha certa idade mas sempre soube ser discreto e jovial, apesar dos problemas de saúde. Afinal parecia ser impossível envelhecer estando cercado de bosques e jardins. Mas a ação do Tempo... ahn esse deus traiçoeiro que te fez externamente conservado e internamente frágil como uma criança! Ele nos enganou, ou foi você? Talvez tenhamos sido enfeitiçados por sua presença opulenta, enigmática e marcante; por seu charme que possuía segredos e mistérios milenares. Por suas múmias, seus esqueletos de dinossauros, suas conquistas greco-romanas, suas plantas, seus nativos, seu reinado, seu povo de ontem e de hoje. 
Apesar da magia, você não era imortal. Pois para você viver eternamente, era preciso mais. Digo isso porque sei que, apesar de ser preenchido de peças, cursos e documentos importantes, você nunca foi ambicioso de ser mais do que era. Você, que era o símbolo primeiro e bastião da ciência brasileira, só precisava de atenção, de cuidados, de quem verdadeiramente se importasse contigo. Agora, diante da tua morte, mais uma vez me dou conta da violência que toca todos os corpos que vivem por essas terras, e como ela te atingiu. Você que era mais forte e sólido que todos nós, teve seu cadáver ultrajado para servir de exemplo do que nos espera. Nós que fomos e continuaremos sendo degredados, relegados a própria sorte, como você foi. Para nós, que temos como missão resguardar e interpretar a identidade brasileira, exaurindo-a do cotidiano repetitivo, essa é a parte que nos cabe nesse latifúndio. Nos tornar o pó que será engolido pelo cal das ambições mesquinhas, condensada por aqueles que consideram que as Humanidades e a própria humanidade deve ser "deixada para lá". Para lá, onde a memória, o passado e a lembrança do que somos não desafie a ignorância. Não desafie a si próprio e a lógica dos fatos. Lá é onde você está agora, que expulsou o nada e preencheu com o seu tudo, nos deixando sem nada. Você que tanto tentou nos a ajudar a preencher o nada de nossas existências com o tudo que tinha para oferecer. Com o que temos que compreender enquanto "brasileiros" e cidadãos do mundo. Enquanto pesquisadores e educadores brasileiros. Enquanto seres eminentemente humanos que somos, devido a nossa capacidade de rememorar.

Diante das tuas cinzas pondero se aprenderei algum dia a dizer adeus. Talvez eu não queira aprender. Quero ignorar sua partida, construindo um castelo de memórias para que você viva nos meus sonhos, na minha história, no meu passado, como farol etéreo a iluminar o futuro desconhecido. A mim e a tantos outros dos teus amantes. Peço pra que você ilumine um futuro com teu rastro deixado em vida, pois estamos perdendo a capacidade de enxergar, de nos encontrar. Peço isso porque que sei que dizer adeus é colocar um ponto final a tudo o que a matéria não pôde manter. E eu quero te manter como um tesouro inestimável, como um segredo inviolável e à prova das intempéries, do descaso e do fogo, mesmo que seja apenas dentro de mim.
Sendo assim, que eu possa me transformar em Museu-Vivo de ti, para te levar comigo onde quer que vá.

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