Perfect Illusion
O halftime show do superbowl 2017 com a Lady Gaga foi maravilhoso. Não só pela apresentação, mas principalmente pela mensagem nele contida. Como Beyoncé fez em apenas 5 minutos no Superbowl 2016, em que convocava o público a Formação (formation, música) de um Manifesto (a favor da feminismo e da negritude através de seu álbum, Lemonade), Lady Gaga parece ter montado um repertório em que cada música constitui um fragmento discursivo sobre a "terra da liberdade". A coesão desse conjunto foi mirar sobre o futuro dessa terra, e suas roupas futurísticas apresentam a iconografia da esperança (e porque não, do medo do desconhecido - brilhando no escuro). Na terra da liberdade, é preciso buscar o futuro dado o presente potencialmente tenebroso, levantar a cabeça e olhar para as estrelas da própria bandeira que espelham o céu, que buscam para o "além" do momento vivido melhores perspectivas. E do alto do Estádio, sobre as luzes das estrelas e dos fogos, Lady Gaga mergulha na própria mensagem. Porém antes da "batalha intergalática", uma mensagem de bravura e coragem "através da noite, guiados pelas luzes do céu" para unir uma terra, com liberdade e justiça para todos.
E assim, a batalha começa na terra. Do alto de uma Torre de aço retorcido (como se a realidade aparentasse um futuro distópico) Gaga canta que suas táticas de sobrevivência não são aparentes, "you can´t read my poker face". Ela irá jogar com todas suas armas. E uma das armas é a verdade, a realidade contra um suposto ideal (de comportamento, religiosidade, sexualidade, beleza e do feminino). E principalmente conta o machismo, afinal é uma mulher cantando! Todos nascemos como nascemos, "I'm beautiful in my way, 'cause god makes no mistakes, I'm on the right track baby, I was born this way".
Dado o recado, ela não irá atender a chamados que calem sua voz. Ela sequer quer ouvi-los pois naquela noite o objetivo era dançar (e não odiar) - "stop calling, stop calling I don´t wanna think anymore..." porque Gaga só quer dançar ("just dance"), e tudo ficará bem (pelo menos naquele momento). Aliás, lembremos o famoso clipe de Telephone, que Gaga faz com Beyoncé: a trama era de vingança; o objeto, homens e a solução, veneno. Ali Gaga e Beyoncé já se manifestavam: o machismo engolirá seu próprio veneno.
Após dançar e se divertir, a realidade do momento vivido chega com luzes amarelas e alaranjadas (entre a escuridão e a constrição), calada e com uma intonação melancólica. Nesse momento a mensagem é direta, integral e provavelmente pessoal: O atual momento lhe deu mil motivos para ir embora, mas ela só precisa de um bom motivo para permanecer (When I bow down to pray/ I try to make the worst seem better/ Lord, show me the way/ To cut through all his worn out leather/ I've got a hundred million reasons to walk away/ Baby, I just need one good one to stay). E esse motivo é a luta: permanecer. Resistir. Lutar. Vencer, pois todos (a partir de Lady Gaga) foram pegos em um romance ruim ("caught in a bad romance").
Nesse momento, sua roupa se transforma em uma modulação gráfica do uniforme de futebol americano e enfim, chegamos ao duelo final (a mensagem final/ a final do superbowl).
A mensagem desenhada, entre a melancolia, a alegria, a convocação é realmente a vingança. Ela quer a vingança de todos aqueles que foram pegos desprevenidos, enganados por uma péssima escolha, por uma relação ruim (expressa por xenofóbicos, machistas, racistas? Trump? Provavelmente). E a vingança é justamente triunfar sobre o(s) causador(es) desse mal, desejando que ele(s) expurgue(m) o que possui(em) de pior, pois somente conhecendo os defeitos do(s) oponente(s) é possível combate-lo(s). E a formula da vingança de Gaga é simples e soa como um desafio cantado, e ao mesmo tempo uma retórica explicativa do momento ( direcionada especificamente para Donald Trump): "Mostre quem você realmente é", "conhecemos o seu blefe", "pare de chamar a atenção", "dê-nos um bom motivo para acreditar" e a mensagem mais irônica e malcriada de todas: "dê o seu pior".
Vamos jogar? A bola está com Gaga. Touchdown.
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