Conto de Fadas
Lendo sobre tratados de casamento do período clássico grego, me deparo com o argumento de que o período pré nupcial, de arranjos e contratos feitos entre famílias, seria, na realidade, uma espécie de concurso de beleza. As candidatas são ranqueadas (dependendo dos costumes da cidade ou região) por: 1) "recatada e dor lar" 2) beleza física e disposições para gerar filhos belos e fortes para as poleis. Esse trato tem como comparação a competição mitológica daquela que era a "mais bela": titulo revindicado pelas deusas Afrodite, Hera e Athená. O pomo da discórdia entre as deusas (uma maça de ouro deixada por Éris, a discórdia) trata de contar que a beleza e a vaidade apresentam um paradoxo: fascinam e, ao mesmo tempo, causam fúria e temor. E mais: elas precisam ser passíveis de controle, pois a beleza em excesso causa estragos (Afrodite vence a disputa e como presente ao julgamento de Páris, lhe oferece a mais bela mortal, Helena de Tróia - treta famosa de A Ilíada)
Em pleno século XXI percebo como as redes sociais funcionam como os novos instrumentos de ranqueamento da "beleza feminina", feito geralmente através da imagem de atributos físicos. Um verdadeiro concurso de beleza, fruto não só do sexismo que nos coloca em uma posição de competidores por likes e shares, mas também como "freio de burro", que hora trava e hora alavanca a busca incansável pela beleza imortal. Uma vitrine 24h no ar, um zoológico dinâmico e intermitente de disputas invisíveis que ultrapassam a ideia de relacionamento/casamento e tende a busca pela infinito e a imortalidade, em um mecanismo tão paradoxal quanto a própria ideia (ideal) de beleza, a internet - permanente e ao mesmo tempo fugaz.
Estaríamos assim tão longe dos mitos?
A cada foto/video, beijos, caras e bocas, poses, roupas, closes: sintomas que assinalam não só a superação da marca deixada por um precedente, mas também apresentam o estado de transição da "sociedade da escrita" para o estabelecimento da "sociedade da imagem", em que a imagem se torna o referencial base de expressão humana. Dessa maneira, a beleza não deve chocar os cânones do gênero, mas sim ultrapassa-los com novas representações. Isso precisa acontecer através do controle da imagem, do que é permitido (ou não) mostrar e como mostrar, de quem deve ver, vencer e de quem deve perder e assistir passivo o ranking da imortalidade. Da beleza do porvir.
"Cada mergulho é um flash", cada imagem é um frame do real. Neste pequeno instante, a beleza é capturada por um dispositivo de seleção e controle social sofisticado, apresentado em 4k, para esconder e selecionar o que deveremos deixar para o que virão.
Espelho espelho meu, quem te controlas sou eu?
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