A Face do Amor


Assim é descrita a imagem da Vênus, surgindo jovem e bela do mar em uma concha na obra O nascimento da Vênus, de Sandro Botticelli. Deixo bem claro que não entendo de arte. Sequer fiz uma matéria relacionada a História da Arte na faculdade enquanto graduanda de História. Mas isso não significa que não posso brincar de ser entendida e analisar, segundo as minhas perspectivas metodológicas e pessoais, a arte renascentista de Botticelli.
Comecemos pelo começo. Em visita a um sebo me deparei com livros de pintores famosos. Aqueles livros que trazem uma bibliografia resumida do pintor e suas obras mais importantes. Pinturas magnificas, de estilos variados. Do gótico mediavalesco ao barroco renascentista e o classicismo com ares de modernidade vi Giotto, Michelangelo, Da Vinci, Botticelli, Lippi, Caravaggio e El Greco desfilando em frente aos meus olhos. Como é possível que pinturas e afrescos consigam se traduzir em músicas e sinfonias aos meus ouvidos? Sim, aos meus ouvidos, você leu bem. Pois após a vista de cada pintura, o som de um violino soava ao longe. Acordes e sons de uma orquestra após A Virgem com o Menino logo ali. O feitiço da Adoração dos Magos caiu sobre mim.
Mais tarde, no mesmo dia, de novo procurando por pinturas me deparei com a Vênus de Botticelli. O seu rosto levemente inclinado, seus cabelos ao vento... tão jovem, tão bela. Para quem a viu de perto, a olho nu e a achou deslumbrante, nada melhor que um olhar mais atento. Um segundo olhar – de outra perspectiva, em outro momento – mesmo que de longe. E ela imediatamente me reportou a outra pintura, também de Botticelli, intitulada A Primavera. Mais uma vez a falsa idéia que de perto conseguimos enxergar melhor... Pois estive também de frente para esta pintura. E nada aconteceu. Mas algo aconteceu neste momento. Um insite.
A face da Vênus. A face inclinada de uma das três jovens celebrantes da Primavera. A face da Madonna que socorre a Vênus após o primeiro sopro de “vida”.  A face da Primavera, em destaque no primeiro plano. Elas se parecem entre si, obviamente. Aliás, em várias pinturas de Botticelli, as beldades são aloiradas, de cabelos longos em vestes transparentes e corpos de padrão renascentista.
Entendendo que Botticelli estava sob o mecenato de Lorenzo Médici e que pintava sob sua encomenda, é normal que disposições e similitudes com familiares dos Médicis acabassem sobressaindo em quadros. É possível que essa seja a posição da mulher em socorro da Vênus e da Primavera em primeiro plano. Afinal, em ambos os quadros, ela usa a manta vermelha (símbolo de status e riqueza) e vestes não transparentes, possivelmente símbolo de uma mulher não disponível. Isto é, casada. E é claro, as figuras masculinas nos quadros possuem certa semelhança entre si. Como, por exemplo, o homem ao lado das jovens primaveris com o Retrato do Desconhecido (de boina vermelha e com uma moeda nas mãos).
Porém... A Vênus e a jovem celebrante da primavera parecem possuir traços muito semelhantes. Parecendo ser, talvez, a mesma modelo. Levando em conta como a jovem levemente inclina o rosto em ambos quadros. O formato do nariz e sobrancelhas.  A disposição do cabelo. Ela pode também ser mais uma Médici. Mas ela parece estar envolta em um véu que a separa das demais mortais. São retratadas com certo olhar, com amor e deslumbramento, celebrante das belas formas e da beleza pura. Botticelli estaria enamorado? Ou apenas sendo audacioso em tentar pintar a beleza em forma de mulher? Tentava eternizar a face do amor, que torna velhos em jovens, pobres em ricos? Tentava dizer que amava a moça e por isso lhe fez tão graciosa? Tentava dizer a arte que era maior que a beleza? Presenteava os homens com a beleza de Deus?
Não importa. O que importa é sentir, de alguma forma, que Botticelli amava. A mulher, a arte, a si mesmo. A beleza. A Deus, por provar que meros homens são dignos de símbolos celestiais como expressões de vida, pureza e amor.

Menina de Pano voltada com os olhos para cima.


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