Maria
Alô, senhora, eu to aqui com a sua sobrinha, humm... ela se machucou ao subir no ônibus... o ônibus não esperou e partiu e ela acabou caindo no chão. Ahn minha filha quem é você? Onde ela ta? Ela ta bem? Ela é sem juízo minha filha...saiu da casa da mãe, veio morar comigo, saiu ontem e a noite e nós ficamos preocupados...ela...ela ta grávida do namorado...Bem Senhora ela se machucou um pouco, mas ta bem sim, foi por isso que liguei... ela pediu pra avisar a senhora. A defesa civil vai cuidar dos ferimentos dela e vai leva-la em casa, certo? A minha filha, Deus te abençoe, obrigado por ter ajudado. Que isso Senhora faria isso por qualquer pessoa, bom dia, Tchau.
Eu olhei pra ela... chorava muito. Estava com alguma contusão próxima a coluna. Não conseguia sair da posição em que com muito esforço a tinha colocado, sentada em um banco. Ela cantava as mesmas palavras...Ai Meu Deus, Ai Meu Deus... era agonizante e real demais pra ser verdade, e eu estava ali, mecanicamente pedindo pra que tudo acabasse bem. Não havia nada a mais a ser feito, só esperar.
Eu havia chegado ali, mas não havia ninguém. Todos geralmente chegavam há essa hora... tinha alguma coisa errada. Senhor guarda, cadê eles? Ahn num sei minha filha, o moço num apareceu aqui até essa hora... espera um cadinho, até umas 8:30 e se ninguém chegar você vai embora, certo? Certo...sai...Uma, duas na terceira loja alguém chorando diz por favor me ajuda. A calçada cheia de gente. Ninguém se mexia. A primeira agonia. Mas ninguém...por favor me ajuda...Oi moça, o que a senhora tem? Ta doendo, ta doendo...Vem, vem aqui sentar, por favor. Ela começou a cantar...Eu, eu não sei que aconteceu, eu cai do ônibus, meu ombro, coluna...não tô bem. Espere, por favor. Me dê uma água, seu moço...é um real menina, olha só essa moça que você pegou ai na rua, não presta, uma prostituta sem alma, bebeu a noite inteira com um homem e acabou apanhando dele, a gente viu...tavam no bar da esquina. Mulher de malandro num presta...Obrigado moço. Fui na farmácia e no bar pedir por ajuda, e a história se repetia maior e mais desafiadora...não era um enigma. Era uma condenação consentida e calada, que se tornava uma justificava em forma de história.
Oi, aqui a água, fica calma...eu não sabia o que dizer, eu queria saber a verdade, mas...ela...ela era tão pouco, e eu menor que ela... por não ajudar o suficiente, por não ter o poder da cura. Por esta ali naquele momento.
Ela não tinha as roupas combinando, o sapato estava descolado e a bolsa aberta e cheia de parafernálias...a boca com sangue, ela apanhou...e perdera também os dentes. Crostas de sangue pelas mãos ao limpar a boca e pelo resto do rosto. Olhos borrados, batom borrado, perfume barato e enjoativo. Aquele cheiro ficou marcado na lembrança...me faz reviver todos os pedidos de socorro que ouvi em toda a vida. Ônibus?! Era mentira...mas na hora da dor, a dignidade que nos resta está apenas nas palavras...o corpo denuncia o resto.
Alô, defesa civil? Sim, eu to com uma moça aqui que precisa de ajuda, parece estar com uma contusão no ombro ou na coluna não sei, hematomas, e perdeu alguns dentes. Ahn vai demorar senhorita. Demorou. Meia hora para ficar na lembrança. O guarda disse que não era pra ter levado ela ali, podia chamar atenção, mas mesmo assim me chamava de anjo por ter ajudado. E ela continuava ali...era a única verdade que falava sozinha... e chorava por todos. Eu estava ante a condenação junto a ela, sendo olha com um misto de pena e repudio. Não gostei do que ouvi e vi, mesmo que ela me carregasse junto. Ela era o ponto distinto, acima de todos: Prostituta, grávida e sem ninguém pra ajudar. Parecia ter 30 e poucos anos, mas tinha apenas 23. A vida adicionou pontos a mais em seu saldo. Só pra se lembrar que ela estava ali para pagar as contas.
Maria, Maria Madalena, Marias sem nomes entre os séculos... não sabia o nome dela. Ela era todas elas. A defesa civil chegou viu seus ferimentos e me agradeceu pedindo desculpas, pois outro acidente havia acontecido. Ela agradeceu a mim sendo levada pra dentro, e eu perguntei, antes de ver a porta fechar, qual é o seu nome mesmo? Maria.
Mas tarde fiquei sabendo que naquele dia não haveria nada. Só eu não sabia. Só eu precisava saber.
Menina de pano em plano real.
Eu olhei pra ela... chorava muito. Estava com alguma contusão próxima a coluna. Não conseguia sair da posição em que com muito esforço a tinha colocado, sentada em um banco. Ela cantava as mesmas palavras...Ai Meu Deus, Ai Meu Deus... era agonizante e real demais pra ser verdade, e eu estava ali, mecanicamente pedindo pra que tudo acabasse bem. Não havia nada a mais a ser feito, só esperar.
Eu havia chegado ali, mas não havia ninguém. Todos geralmente chegavam há essa hora... tinha alguma coisa errada. Senhor guarda, cadê eles? Ahn num sei minha filha, o moço num apareceu aqui até essa hora... espera um cadinho, até umas 8:30 e se ninguém chegar você vai embora, certo? Certo...sai...Uma, duas na terceira loja alguém chorando diz por favor me ajuda. A calçada cheia de gente. Ninguém se mexia. A primeira agonia. Mas ninguém...por favor me ajuda...Oi moça, o que a senhora tem? Ta doendo, ta doendo...Vem, vem aqui sentar, por favor. Ela começou a cantar...Eu, eu não sei que aconteceu, eu cai do ônibus, meu ombro, coluna...não tô bem. Espere, por favor. Me dê uma água, seu moço...é um real menina, olha só essa moça que você pegou ai na rua, não presta, uma prostituta sem alma, bebeu a noite inteira com um homem e acabou apanhando dele, a gente viu...tavam no bar da esquina. Mulher de malandro num presta...Obrigado moço. Fui na farmácia e no bar pedir por ajuda, e a história se repetia maior e mais desafiadora...não era um enigma. Era uma condenação consentida e calada, que se tornava uma justificava em forma de história.
Oi, aqui a água, fica calma...eu não sabia o que dizer, eu queria saber a verdade, mas...ela...ela era tão pouco, e eu menor que ela... por não ajudar o suficiente, por não ter o poder da cura. Por esta ali naquele momento.
Ela não tinha as roupas combinando, o sapato estava descolado e a bolsa aberta e cheia de parafernálias...a boca com sangue, ela apanhou...e perdera também os dentes. Crostas de sangue pelas mãos ao limpar a boca e pelo resto do rosto. Olhos borrados, batom borrado, perfume barato e enjoativo. Aquele cheiro ficou marcado na lembrança...me faz reviver todos os pedidos de socorro que ouvi em toda a vida. Ônibus?! Era mentira...mas na hora da dor, a dignidade que nos resta está apenas nas palavras...o corpo denuncia o resto.
Alô, defesa civil? Sim, eu to com uma moça aqui que precisa de ajuda, parece estar com uma contusão no ombro ou na coluna não sei, hematomas, e perdeu alguns dentes. Ahn vai demorar senhorita. Demorou. Meia hora para ficar na lembrança. O guarda disse que não era pra ter levado ela ali, podia chamar atenção, mas mesmo assim me chamava de anjo por ter ajudado. E ela continuava ali...era a única verdade que falava sozinha... e chorava por todos. Eu estava ante a condenação junto a ela, sendo olha com um misto de pena e repudio. Não gostei do que ouvi e vi, mesmo que ela me carregasse junto. Ela era o ponto distinto, acima de todos: Prostituta, grávida e sem ninguém pra ajudar. Parecia ter 30 e poucos anos, mas tinha apenas 23. A vida adicionou pontos a mais em seu saldo. Só pra se lembrar que ela estava ali para pagar as contas.
Maria, Maria Madalena, Marias sem nomes entre os séculos... não sabia o nome dela. Ela era todas elas. A defesa civil chegou viu seus ferimentos e me agradeceu pedindo desculpas, pois outro acidente havia acontecido. Ela agradeceu a mim sendo levada pra dentro, e eu perguntei, antes de ver a porta fechar, qual é o seu nome mesmo? Maria.
Mas tarde fiquei sabendo que naquele dia não haveria nada. Só eu não sabia. Só eu precisava saber.
Menina de pano em plano real.
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