Lemonade

Assistindo o clip "Formation" me detive em alguns aspectos técnicos da representação do figurino de Beyoncé: Perpassando todas as cenas, os cabelos da cantora expressam o empoderamento negro, seja com tranças, blacks ou penteados que, de maneira geral, representam (fazem refletir sobre) a iconografia da mulher negra.
O uso do vestido preto com referências estilizadas carrega elementos atemporais da moda negra norte americana que atravessa gerações até os dias atuais. Em frente a porta de uma casa Beyoncé é a figura central no limiar entre o público e o privado: a vestimenta em luto e em luta. Pelo fim do controle masculino que circunda a mulher negra sob o espaço da casa, ela dá um passo a frente e desfoca o passado e os homens. A História a ser contada será centrada na figura feminina. O limite espacial também pode ser analisado como comentário a ação que se desenrolará: o fim do sofrimento e o começo da luta pelos espaços é referendado por homens negros, jovens e idosos.
O uso do vermelho (derivados em traços brancos) em duas cenas: um interna, em um corredor - a meio caminho; em cima de um carro de policia parcialmente submerso. O vermelho na cinematrografia geralmente é associado a morte, ao sangue - derramado, a ser derramado e ao sofrimento. Muitas vezes também é usado para expressar paixão. Ambos parecem fazer sentido nos ambientes citados: O sofrimento de jovens negros é calado/afogado por catástrofes humanas e naturais. A mulher negra vitima de violências há séculos está a meio caminho de deixar a casa que aprisiona e atingir a rua, expressando paixão e temor pela própria vida. A dança é uma expressão dessa liberdade. A roupa é a fusão entre passado e presente.
O uso da vestimenta em tons metalizados/cinza com traços vermelhos e pretos em uma piscina vazia representaria um caminho já traçado, um objetivo a ser atingido: não há como afogar a voz negra e feminina. Ainda que haja traços de violência simbólica (vermelho/preto), uma zona mista é um claro aviso de que as barreiras precisam e serão ultrapassadas: não há água na piscina, não há como deter a luta e a liberdade do corpo da mulher, em continuo movimento de dança e libertação.
O branco (associado a tons pastéis) usado em três cenas remete a conquista da liberdade e a paz (interior ou exterior), tanto em contexto público quanto no privado: Beyoncé abre os braços vestida em peles brancas pela janela de um carro enquanto ele gira: O espaço público de homens/mulheres brancos também é o espaços público de homens/mulheres negras, em liberdade e sem medo. O olhar de Beyoncé é inegável ao expressar o desafio a negação dessa luta/conquista. Na casa, a cantora é mostrada sozinha e rodeada por um grupo de mulheres, vestidas em trajes com elementos amarrados a todas as épocas da história norte americana, com olhares desafiadores frente as conquistas também em espaços internos. Ela é dona de seu próprio espaço. A liberdade da escolha está dada, independente do local em que se configura a presença feminina.
Enquanto um sonho de liberdade é colorido e transparente (representado em uma rápida cena), a realidade é pragmática. Assim o jeans (e suas derivações de lavagens) fecha a galeria iconográfica como roupa e expressão multiuso: com a liberdade em mãos, os usos configurados pelo corpo feminino são múltiplos, variados e não possuem gênero e idade. O jeans é a liberdade per si (a dança também).
Lemonade é um belíssimo manifesto visual e musical sobre feminismo negro, negritude, preconceito, padrões estéticos, violência contra negros, empoderamento social, cultural e financeiro de negros. Um álbum necessário, obrigatório. Um obra de arte fundamental, paradigmal.

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