Coração nos Trópicos



Já fui amante de Napoleão, Sócrates, Cleópatra, Gandhi, Montezuma, Mandela, Felipe II, Da Vinci. Compreendi que eles queriam, acima de tudo, serem amados como eram. Eles, que sonhavam Liberdade e Vida, não viram seus amores se transformarem e amargaram mortes defendendo suas idéias e ideais... que muitas vezes não diferiram dos meus. Eu e eles, no mesmo mar de perda... buscando terras distantes. Já fui amante da pátria, mas desterraram meus usufruto, pelo gênio egoista que cercou o primeiro campo. Sou amante da letra, mas estou a ponto de perder o quadro, pelo descaso que a vida deseja. Por minha indumentária não estar na moda. Por apenas conseguir me vestir de pó de giz.
Hoje, rota, olho para o túmulo dos Homens e vejo a morte começar muito antes de suas vidas. Vidas que não olham para os homens, que superaram a aversão, tomaram a liberdade na plena juventude do agora e constroem com imediatismos a sã figura do ser eterno. Eterno por apenas um minuto fugaz, ao lado do peso imenso da responsabilidade de carregar o mundo nas mãos e não saber. Nada disso é, apenas pertence até o próximo dono aparecer. Nada disso vale a pena carregar. Nem livros, nem pão. E agora, eu... de anos de dedicação aos meus amores, como eles sou jogada ao chão.
Eu e meus amantes jogados na sala, a espera de atenção. Atenção que foi perdida pelo desencanto do mundo fácil, de atividades e jogos mais importantes, que merecem maior atenção. Ainda sim, nos cobram impostos, nos cobram bom vestir. Nos cobram atenção que nos dispensam ao primeiro olhar. "Volte ao lugar de onde veio". Nos cobram ilusão, sendo pagos com ilusão. Onde estamos colocando as mãos? Por onde calçam-nos os pés? Como estará o coração de tantos seres que nos espreitam cobrando de nós o que pouco temos para oferecer?Tenho receio de dividir na barbárie o pouco que me resta. O medo de ser tragada pelo escândalo de não saber perguntar. Quem não pergunta, está morto para vida. Foi barbarizado pelo dinheiro, escravizado pelo trabalho, atraído pela preguiça, aprisionado pela liberdade com a pretensiosa voz sedosa que murmurava "igualdade" e dançava ao lado de tantos outros com fraternidade.
Eu e meus amantes fechados, selados para sempre no escuro dos porões de ziper e velcro. Ao mesmo tempo amantes vagabundos, que só servem para carregarem no peito o escudo da vida e do conhecimento a serem exibidos aos demais. Muitos adoram, e somos banhados de luz fugaz, ao fechar de sorrisos no primeiro indicio de esquecimento. Renegados que fervilham a fogo baixo na mente de cada individuo, acusando-lhe a busca de sua própria ventura, calada na contagem das décadas. De costas, sempre de costas para eles. Enquanto sonhamos em estar de frente. Eles que não olham nos nossos olhos, não cruzam o nosso olhar. Eles que se voltam, presenteiam com desculpas, que nos esquecem nos arquivos burocráticos.
Eu e meus amantes estamos no final, a ponto de romper salas, livros, espelhos e caminhos em busca de outros amores. Estamos a ponto, gritando calados. Estamos. Ainda. Muitos morreram amando e renasceram em outros fazeres. Foram navegar no deserto. Ele chama a muitos, com voz suave. O deserto nos seduz, balbuciando a busca de um refugio para onde o coração não doa, os olhos não fechem de pesar. Um dia, o deserto que estará cheio de amantes, cheio de nós, enquanto a cidade ficará nua, a espera do primeiro grito de esperança e caridade. Acordando para o dia das ilusões perdidas, com muito o que fazer.


Menina de Pano pede giz, amor, ação e acima de tudo, mudança. Já.

Comentários

Danilo disse…
Gostei, Ju! Achei massa!

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