Reflexões sobre uma dissertação
(Enquanto penso, penso mais um pouquinho)
Projetar-se como objeto histórico, não é tarefa fácil. Devassar um continente desconhecido para si próprio, obrigando a analisar cada ponto, negativo ou positivo de sua constituição é mexer com muitas ferramentas de uma só vez. Memória, imaginação, mentiras, verdades, e assim vai. Podendo inclusive mexer com o “eu” atual, ao lidar com situações não antes iluminadas pela luz da consciência. Descobrimos que somos feios, patéticos, imperfeitos, ao mesmo tempo unidos a um ser genial, criativo, aspirando crescer e conhecer cada vez mais.
Essa tarefa seja talvez mais difícil ainda para um historiador, declarado investigador das produções humanas. Talvez a dificuldade advenha da seguinte proposta: Deslocamo-nos com tanta facilidade no tempo-espaço que muitas das vezes não percebemos que a nave-mãe (si mesmo) é a líder do acesso, entendimento e gerenciamento dos conhecimentos que os levam a máquina do passado. Programar-se, no sentido de saber exatamente com que corpo lidamos para acessar os dados passados, é possuir uma das muitas chaves para o passado. Afinal, viemos dele, e a todo o momento atestamos sua influencia na vida humana como testemunhas vivas da História.
Analisar a própria formação sócio-cultural, psicológica, politica, econômica é como dar as coordenadas de nossa localização no espaço multidimensional da vida. Com tudo o que temos direito. Afinal, somos ou não somos os famigerados agentes sociais que tanto nós historiadores orgulhamos de afirmar?! Não vivemos dia a dia a História, através de tantas histórias, inscritas nos movimentos e lutas sociais? Genericamente não somos o povo? A gleba, a plebe, o clero, o nobre, o senado? Massa uniforme e disforme piscando no painel da Terra, de acordo com seus interesses? É, eu estou no meio disso tudo. Esquisito admitir isso, sim. Mas essa afirmação geralmente não é digna de um bom Historiador. Que talvez precise ver a si mesmo para tentar ser melhor ainda.
Não estou pedindo que façam análise, terapia. Nada disso. Apenas uma reconstrução dos passos que nos levam a analisar os projetos de estudos em que nos envolvemos, sejam eles quais forem. Não é nada demais e até onde me lembro, não vai de encontro a nenhuma proposição epistemológica do conhecimento. Apenas sente, e rememore. Recordar é viver. Talvez isso produza frutos interessantes para um trabalho que possua “nós” metodológicos, intricamento de idéias. Uma conversa com um familiar sobre um tema banal, um comentário interessante de um amigo, um papo cabeça em uma noite chuvosa. Como você historiador sabe muito bem fazer, talvez melhor que ninguém no universo das ciências humanas, se ponha a prova. Analise, critique (e como somos bons críticos), reflita a necessidade de produzir, faça uma antropologia do ser. Veja o que de útil à sua produção esses pensamentos podem trazer para si.
Uma das grandes contribuições da disciplina pedagógica na construção dos meus saberes é atentar para as contribuições do Ser no conhecimento cientifico. E de si mesmo. A começar pela produção de um Memorial dissertativo. Produzir um texto memorialístico de sua formação até o dado momento. Que dificuldade. Pois olhar para o outro, como historiadora é muito “fácil”, e afinal, para que olhar para mim?
Eu sou agente da história. Eu sou objeto em análise. Nu, cru, puro. É de mim que parte a analise, para o mundo e volta do mundo, renovado, atualizado para mim. Eis o grande entrave que o historiador pouco admite e pouco se permite.
Isso é uma crítica, não. É apenas uma constatação do que poucos atentamos em nossas produções historiográficas. A imensa participação do eu no objeto histórico. Como devassador, como experimentador, na ação reflexiva de produzir algo que impulsione o conhecimento além do que já possuímos.
Mas como todas as produções possuem um limite, essa ação obviamente também possui. Nos limitando em não exercer influencia demais sobre o conhecimento para não parecer mesquinho, quase um “Senhor da História”. Não torcer a História ao nosso favor. Afinal, os holofotes estão em nós apenas para iluminar o chão que pisamos, e não o contrário. E saber que esta reflexão é uma tentativa de gerar saberes, não uma efetiva geradora. Provavelmente existem mais cuidados, mas talvez os meus olhos só me permitem, por hora, enxergar essas ações no grande chão misterioso da Ciência.
Após um pouco refletir é hora de agir. Agora é apontar pra fé e remar.
Menina de Pano refletindo sobre um Grande Truque: A dissertação de Mestrado.
(Projeto de Mestrado em Educação intitulado "O Grande Truque: Construindo Pequenas Grandes Histórias - Unicamp - 2010/2012)
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